Programa da Semana de Ciências do Mar e do Ambiente

Os participantes podem expôr os seus posters científicos

 

Apresentação proferida pelo Prof. Doutor João Alveirinho Dias, na Abertura da 1ª Semana de Ciências do Mar e do Ambiente

 

                                                         I.      IMPORTÂNCIA DA OCEANOGRAFIA EM PORTUGAL


I.1.   INTRODUÇÃO

Portugal, país com longa tradição marítima, tem também, actualmente, múltiplas razões (políticas, económicas, sociais, científicas) para continuar a considerar o mar como sector prioritário. Como só se pode exercer soberania plena sobre o território que se conhece, tal como só se pode gerir convenientemente o que se conhece, as Ciências Marinhas, e mais especificamente a Oceanografia, pela importância de que se revestem, têm que constituir, em Portugal, domínio prioritário.

Como se referiu, são múltiplas as razões pelas quais o mar surge com importância muito especial em Portugal. Nos parágrafos seguintes expõem-se, sem qualquer preocupação de ordem de importância, e sem tentar ser minimamente exaustivo, algumas dessas razões.

I.2. A ZEE Portuguesa

Na sequência da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, adoptada em 1982, após nove anos de negociações, foi definida em Portugal uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) com 200 milhas marítimas de largura (fig.I.1), que é a mais extensa ZEE na União Europeia, o que confere ao País especiais responsabilidades sobre grande parte do Atlântico Nordeste.

Fig. I.1 - A Zona Económica Exclusiva de Portugal (ZEE) é constituída por 3 áreas:

Portugal Continental, Madeira e Açores. Confina com as ZEE de Espanha e de Marrocos.

Consequentemente, de acordo com a normas de direito internacional, Portugal tem direitos soberanos sobre a ZEE e sobre a Plataforma Continental (no conceito jurídico) para prospectar e explorar, conservar e gerir todos os recursos naturais vivos e não vivos, do fundo do mar e do seu subsolo, e das águas sobrejacentes, bem como sobre todas as outras actividades que tenham por fim o estudo e a exploração económica da zona, tais como a produção de energia a partir da água, das correntes e do vento. Como se aludiu atrás, para exercer completa soberania e para bem gerir tão vasta área, é imperativo que se ampliem os conhecimentos do que aí existe e dos processos que aí actuam, o que só pode ser conseguido através de financiamento minimamente adequado à comunidade oceanográfica nacional.

 

Fig. I.2 - As Águas Territoriais e a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal continental,

desenhadas com base na Lei nº33/77 e no Decreto-Lei nº 495/85.

A linha a cor de laranja corresponde à linha de base recta.

A linha vermelha corresponde ao limite das Águas Territoriais.

A linha a roxo corresponde ao limite da ZEE.

I.3. O Tráfego Marítimo

A extensa ZEE portuguesa, que integra também as Águas Territoriais nacionais, é atravessadas pela rota de passagem obrigatória da maior parte do tráfego marítimo de e para o norte da Europa, o que confere ao País grandes responsabilidades em termos de segurança da navegação, bem como na prevenção e combate à poluição marinha. Ao longo dos corredores de tráfego marítimo nacionais (fig. I.3) navegam diariamente, em média, cerca de 200 navios, transportando mais de 500 toneladas de mercadorias diversas, 40 dos quais são petroleiros. Com frequência os navios navegam mais próximo da orla costeira, fora dos corredores de tráfego marítimo, e não existe ainda um sistema fiável de controlo do tráfego. Este intenso tráfego marítimo exige que o País disponha não só de um sistema eficaz de controlo do tráfego, mas também que conheça, o mais profundamente possível, as características oceanográficas das águas sob jurisdição portuguesa, designadamente no que se refere à agitação marítima e ao regime de temporais, às correntes, e a todos os outros factores que podem interferir com a segurança da navegação.

A intensa navegação aludida constitui uma fonte muito importante de poluição das águas, da orla costeira e dos fundos marinhos. Verifica-se que, com frequência, os navios, com especial destaque para os petroleiros, efectuam a lavagem de tanques em águas sob jurisdição nacional, o que é uma das principais fontes de poluição da orla costeira portuguesa. Tal verifica-se, seguramente, porque, apesar de algumas medidas legislativas e fiscalizadoras recentes, é conhecida a falta de eficácia da fiscalização das nossas águas (as menos vigiadas de todas na União Europeia).

Fig. I.3 -   Corredores de navegação da ZEE portuguesa (CNADS, 2001)

O intenso tráfego marítimo que cruza águas portuguesas implica a existência de elevados riscos de acidentes, que podem ser altamente poluentes. O recente acidente, a 13 de Novembro de 2002, a 65 milhas da costa galega, do petroleiro “Prestige”, que transportava 77 mil toneladas de fuel-óleo, e seu posterior afundamento, a 19 de Novembro, a 250 quilómetros da Galiza, em fundos de cerca de 2600m de profundidade, muito próximo da ZEE portuguesa, comprova o risco muito elevado diariamente existente. Estima-se que este petroleiro tenha derramado cerca de 15000 toneladas de hidrocarbonetos, provocando uma catástrofe ecológica, económica e social sem precedentes na Galiza. Calcula-se que, no fundo, no interior do casco que se partiu em dois, e que apresenta nove fissuras (quatro na proa e cinco na popa) permaneçam ainda cerca de 65000 toneladas de fuel. Para fazer face a eventuais acidentes deste tipo é imprescindível que o País se dote com meios eficazes de combate a eventos altamente poluentes e que tenha um conhecimento tão aperfeiçoado quanto possível das características oceanográficas (físicas, geológicas, químicas e biológicas) da ZEE portuguesa.

Fig. I.4 -   Imagem de satélite, da ESA (European Space Agency), obtida a 17 de Novembro de 2002,

em que se vêm nitidamente os derrames provenientes do acidente com o petroleiro Prestige.

Portugal é fortemente dependente das suas infra-estruturas portuárias (designadamente no que se refere ao comércio marítimo, às pescas e à navegação de recreio), verificando-se necessidade de criação de novas infra-estruturas ou ampliação das existentes, o que deve ser concretizado com o mínimo de impactes negativos para os ambientes costeiros. Os principais portos são os de Lisboa, de Leixões e de Sines, mas têm também grande importância regional os de Viana do Castelo, de Setúbal, de Portimão e de Faro. Há ainda a considerar os vários portos de pesca, de recreio e marinas. Também neste aspecto o conhecimento das características oceanográficas surge como sustentáculo basilar para a correcta gestão deste sector de actividades. Efectivamente, a minimização dos impactes ambientais adversos gerados por estas actividades, a adequada preparação para a eventualidade de acidentes (nas zonas portuárias ou no mar), bem como a manutenção e a ampliação da operacionalidade dos portos só pode ser efectuada através do conhecimento científico aprofundado do meio marinho.

I.4. As Pescas e a Aquacultura

A pesca em Portugal é importante fonte de subsistência e desenvolvimento para as comunidades costeiras e ribeirinhas. Os hábitos alimentares portugueses integram uma dieta diversificada, do tipo mediterrânico, onde o peixe constitui um dos componentes básicos. Efectivamente, segundo valores de 1992-94 da FAO, Portugal detém o primeiro lugar da União Europeia no consumo per capita de peixe (62kg/ano)., com quase o dobro do consumo do segundo maior consumidor, a Espanha (38kg/ano). É certo que os valores em quantidade de desembarques em Portugal (Fig. I.5) revelam tendência decrescente das capturas desde 1986, apesar do valor da produção final total registar crescimento regular de 1986 a 1992, e depois começar a decrescer.

Fig. I.5 -   Evolução dos desembarques totais de pescado em Portugal e do seu valor final total. (CNADS, 2001).

Segundo dados estatísticos da Direcção-Geral de Pescas e do Instituto Nacional de Estatística, a pesca nacional actual diminuiu de cerca de 50% em relação ao período anterior a 1986, tendo a diminuição sido muito mais importante em águas internacionais e de países terceiros (70%) do que em águas nacionais (25%). Em 1996 as capturas na ZEE representaram 82% do total, o que o que revela a importância crescente desta zona também neste sector da vida nacional. Quer devido à drástica diminuição dos stocks de muitas das espécies com valor comercial, quer para enfrentar a forte concorrência de outros países da UE, quer para optimizar o esforço de pesca nacional, é da máxima importância que se adquira um mais amplo conhecimento sobre a oceanografia (física, geológica, biológica e química) da ZEE portuguesa. 

Como o esforço de pesca nacional tem vindo a decrescer, quer devido a restrições de acesso a pesqueiros localizados fora da ZEE portuguesa, quer a diminuição generalizada dos stocks (tanto na nossa ZEE como for a dela), mas como o consumo de peixe revela tendência de crescimento, é importante encontrar alternativas viáveis. A aquacultura é a alternativa óbvia. Embora em Portugal a aquacultura represente apenas 5% do total de pescado, na União Europeia, esta actividade representa já cerca de 15% desse total. Relacionado com este sector, é de referir também a aquacultura em mar aberto (de que agora se estão a dar os primeiros passos) e as acções de protecção da ictiofauna marinha (de que os recifes artificiais são apenas um exemplo). Em todos os casos referidos, o conhecimento científico da oceanografia das águas sob jurisdição nacional surge, também, como imperativo básico.

I.5. A Influência das Bacias Hidrográficas

Como se sabe, muitas das características oceanográficas (principalmente no que se refere às áreas oceânicas adjacentes às massas continentais) são dependentes das bacias hidrográficas que para aí drenam. Todavia, a amplitude destas influências só agora começam a ser vislumbradas de forma mais global. Aliás, tal foi recentemente reconhecido pela União Europeia, ainda que de forma bastante tímida, através da Directiva Quadro da Água.

As consequências, na ZEE portuguesa, das múltiplas intervenções (desmatações, construção de barragens, aplicação intensiva de compostos químicos na agricultura, exploração de inertes fluviais, etc.) que ocorreram nas bacias hidrográficas que aí afluem, principalmente a partir dos anos 30 do século XX, são ainda muito mal conhecidas. Sabe-se que a maior parte da erosão costeira verificada no litoral português se deve a redução drástica do abastecimento sedimentar induzido por essas actividades. No entanto, não se sabe minimamente quais estão a ser os impactes dessa redução nos padrões de distribuição sedimentar do meio oceânico e, consequentemente, na globalidade dos ecossistemas. Tal conhecimento só poderá ser obtido através da investigação científica no domínio das Ciências do Mar.

I.6. As Zonas Costeiras

Portugal é detentor de um extenso litoral, do qual é fortemente dependente em termos sócio-económicos. Nessa dependência ressalta, de forma extremamente clara, o  turismo, principalmente o turismo balnear. Apesar do turismo ser uma actividade bastante recente, tendo adquirido grande expressão apenas no século XX, é actualmente o principal responsável pela utilização do litoral. Porém, é o turismo, principalmente após o boom que se verificou nos anos 60 do século passado, que está na base, entre outros, de gravíssimos problemas de ordenamento do território, da degradação de valores ambientais, estéticos e históricos, e de grande parte da contaminação de águas balneares. A ocupação de zonas de risco, designadamente de risco muito elevado, está, infelizmente, vulgarizada, não existindo, na maior parte dos casos, estruturas que permitam actuar com eficácia caso esses riscos se concretizem. Aliás, não existem ainda, no País, mapas de vulnerabilidade e de riscos costeiros credíveis e cientificamente suportados.

Verifica-se erosão costeira na generalidade do litoral português (fig. 1.6), a qual assume aspectos preocupantes em mais de 30% da sua extensão. Raros são os locais onde se verifica avanço da linha de costa (isto é, acumulação sedimentar), estando estes fenómenos sistematicamente associados a grandes estruturas transversais (principalmente molhes de entrada em portos) que interrompem a deriva litoral. Nestes casos, essa interrupção da deriva litoral que propicia a acumulação sedimentar, induz, forte intensificação da erosão costeira a sotamar. É o que se verifica, por exemplo, em Aveiro, na Figueira da Foz, na zona da barra de Faro-Olhão e junto à foz do Guadiana.

É quando a erosão costeira começa a ameaçar património construído que, por via de regra, se efectuam intervenções tendentes a salvaguardar esse património. Nestes casos constata-se que, sistematicamente, são as consequências (as tendências de recuo da linha de costa) que são combatidas. Praticamente nunca se tenta resolver a situação actuando ao nível das causas (das quais, a principal é, indubitavelmente, a deficiência de abastecimento sedimentar ao litoral, induzida pelas actividades antrópicas). Consequentemente, o litoral português encontra-se, desde há várias décadas, num processo de forte artificialização progressiva, sendo as estruturas fixas (esporões, paredões, etc.), apelidadas de “protecção costeira”, já uma constante em vastas extensões do litoral. É uma tentativa, condenada à partida, de tornar estático aquilo que, por natureza, é profundamente dinâmico, com a consequente perda de potencialidades intrínsecas às zonas costeiras. É uma guerra contra a Natureza, na qual se sabe, à partida, que se podem vencer algumas batalhas mas em que a derrota final é certa.

Fig. I.6 -   A erosão costeira, traduzida em recuo médio anual da linha de costa, em Portugal. Adaptado de Ferreira et al. (in press).

Nos últimos anos, nalgumas áreas, com relevância muito especial para o Algarve e, neste, para a zona da Ria Formosa, têm-se ensaiado, com sucesso, novas abordagens, mais consentâneas com as características naturais das zonas costeiras. Tal abordagem baseia-se em intervenções tendentes a manter o dinamismo do litoral, mantendo, tanto quanto possível, as suas potencialidades. É o que internacionalmente é, com frequência, referido como “Building with Nature”, em que as intervenções têm como filosofia básica “dar uma ajuda à Natureza” e “tornar a Natureza uma aliada”, e não a de “lutar contra a Natureza”. Esta abordagem envolve realimentações de praia, reconstrução dunar, plantação de espécies endógenas desses locais, relocalização de habitações e outras estruturas, etc. etc. Todavia, a expansão deste tipo de actuação, que começa a ser vulgar em muitos países desenvolvidos, esbarra, entre outros, com interesses vários instalados, com carências de conhecimentos sobre a matéria por parte de muitos dos orgãos de gestão, e com falta de sensibilização das populações.

E no entanto, embora tal não seja, infelizmente, do conhecimento generalizado da população, dos meios técnico-científicos, e do mundo político-partidário, várias das intervenções estão, actualmente, a servir de referência internacional, mesmo nos países mais desenvolvidos (caso dos Estados Unidos da América). É o caso, por exemplo, da abertura artificial da Barra do Ancão (também apelidada de Barra de S. Luís), efectivada em 23 de Junho de 1997, e que, a partir dessa altura, se tem deixado evoluir naturalmente. Outro exemplo é o da reconstrução da Península de Cacela, que estava extremamente debilitada e onde, no inverno de 1995/1996, se abriu mesmo, naturalmente, uma nova barra, a Barra de Fábrica. Corria-se mesmo o risco da península desaparecer na primeira década deste século. No inverno de 1996/97 procedeu-se à “reconstrução” da península, com materiais dragados do canal interno, tendo-se deixado, desde então, que esta zona evoluísse naturalmente, com resultados positivos assinaláveis.

Ao longo do extenso litoral português existem extensas zonas húmidas de grande importância ambiental e económica (muitas das quais protegidas por directivas comunitárias). Exemplos dessas zonas húmidas são os sistemas lagunares costeiros designados por “Ria” Formosa, “Ria” de Aveiro e “Ria” de Alvor, e por lagoas de Óbidos, Albufeira, Melides e Santo André, e os sistemas estuarinos do Lima, do Mondego, do Tejo, do Sado, de Mira e do Guadiana. As zonas costeiras são, tipicamente, zonas de conflito de actividades, sendo imperativo que se estabeleçam bases sólidas para a sua gestão integrada. Em todos os aspectos referidos a intensa intervenção de investigadores e técnicos relacionados com as Ciências Marinhas é absolutamente fundamental, sendo para isso também imperioso que se adquira um melhor conhecimento do funcionamento desses sistemas e das relações de interdependência com o meio oceânico e com as bacias hidrográficas respectivas.

I.7. energia

O oceano é, também, fonte de energia praticamente inesgotável. Se em Portugal, durante os tempos históricos, a energia das marés foi intensamente aproveitada através, por exemplo, dos moinhos de maré Portugal, não existem actualmente notícias do aproveitamento desta energia “limpa”. Certo é que o litoral português, localizado num ambiente de mesomarés, não apresenta as melhores condições para tal aproveitamento. todavia, o mesmo não se verifica no que se refere ao aproveitamento da energia da onda. Com efeito, no que respeita à agitação marítima, o litoral português é de alta energia. Para se ter noção do potencial energético associado à onda, basta referir que se fosse possível armazenar a energia dissipada no litoral português durante um único temporal, o País teria as suas necessidades energéticas supridas durante vários anos. No País existe uma estação experimental para aproveitamento da energia da onda nos Açores, estando duas outras planeadas para Viana do Castelo e para os molhes do Douro. Porém, existem muitas outras formas possíveis de aproveitamento da “energia oceânica”, e deve-se ter sempre presente que se trata de energia “limpa” e renovável. Quando se considera que Portugal depende em praticamente 90% de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural), que importa de outros países, a quase totalidade do qual é transportado por mar e processado na zona costeira, que são combustíveis não renováveis, e que o transporte e armazenamento destes combustíveis tem riscos inerentes, nomeadamente o de explosão e o de derrame, com consequente poluição das águas e dos ecossistemas marinhos, o investimento nas energias alternativas surge como alternativa correcta e viável. No entanto, o aproveitamento destas energias alternativas marinhas está profundamente dependente de um conhecimento aprofundado do meio marinho, o qual só pode ser obtido através da investigação oceanográfica.

I.8. Recursos Minerais

Na realidade, os recursos não vivos marinhos (sejam energéticos, sejam minerais) são, na grande maioria dos casos, apenas potenciais. Porém, com a progressiva exaustão dos jazigos em terra, com exigências ambientais cada vez mais restritivas, com o aumento do valor dos terrenos, e com a ampliação do consumo, é de prever que muitos desses recursos se tornem exploráveis a curto ou médio prazo.

O reconhecimento das potencialidades do solo e subsolo marinhos afectos a Portugal está longe de estar efectuada, embora se conheça a existência de variados recursos minerais. Por exemplo, em domínio profundo, sabe-se da existência de nódulos de manganês e de nódulos fosfatados. Nas zonas hidrotermais associadas ao rifte médio-atlântico há elevada probabilidade da existência de depósitos de sulfuretos. Na plataforma continental, bastante mais conhecida, há depósitos de inertes (areia e cascalho), de glauconite, de carbonatos (conchas), além da possibilidade de existirem depósitos tipo placer (por exemplo, de estanho e volfrâmio). Conhece-se, também, a existência de jazigos de hidrocarbonetos, embora de reduzida dimensão, não sendo a sua exploração economicamente rentável no contexto actual. O reconhecimento das potencialidades em recursos minerais  da área marítima sob jurisdição nacional é, obviamente, uma obrigação que devemos assumir, designadamente perante a comunidade internacional. É um exercício de soberania e, simultaneamente, é um acautelar do futuro. É certo que, na maior parte dos casos, é muito duvidoso que o País tenha a tecnologia necessária para proceder à exploração quando este se revelar economicamente exequível. Porém, o reconhecimento desses recursos valorizá-los-á e colocará o País em vantagem nas negociações tendentes á sua exploração por outros países. Se, simultaneamente, dispusermos de informações pormenorizadas que permitam determinar com fiabilidade os impactes ambientais das explorações, adoptar medidas minimizadoras e controlar as actividades, poder-se-á, então, falar em verdadeira gestão do território sob jurisdição nacional. Em todos estes aspectos o investimento firme no conhecimento oceanográfico é fundamental.

O recurso mineral marinho mais explorado a nível mundial (não considerando os hidrocarbonetos), e o que economicamente envolve maiores verbas, é constituído pelos inertes (areias e cascalhos).

Fig. I.7 -   Principais depósitos de inertes (areia e cascalho) da plataforma continental portuguesa. Segundo Dias et al. (1980).

Desde há muito que os depósitos de areia e cascalho da plataforma continental são explorados de forma competitiva relativamente aos mesmos produtos explorados em terra. Entre as áreas onde estas explorações têm vindo a ser efectuadas há mais tempo podem referir-se o Mar do Norte, os Estados Unidos da América e o Extremo Oriente. No entanto, o volume global destas explorações corresponde apenas, ainda, a pequena percentagem do total de inertes consumidos pelo mercado. Porém, verifica-se tendência clara para crescimento percentual destas explorações não convencionais, prevendo-se acréscimo bastante significativo nos próximos anos, principalmente nos países mais desenvolvidos, onde a procura é maior e a legislação ambiental é mais restritiva. Por exemplo, no Reino Unido, a extracção de inertes submarinos era, em 1959, de apenas 3,9 milhões de toneladas, o que correspondia a 5,7% dos materiais consumidos por este país. No entanto, no início da década de 70 a produção atingia já 13 milhões de toneladas (12% dos inertes utilizados pelo mercado) e, no início dos anos 80 o volume extraído de depósitos marinhos rondava os 16,5 milhões de toneladas, ou seja, 19% da produção total de inertes. No entanto, o maior produtor mundial é o Japão que, no início dos anos 80, produzia já 57 milhões de toneladas de inertes submarinos. No entanto, por vezes a exploração de areias em depósitos submarinos é efectuada não para alimentar a indústria, mas sim para proceder a realimentação de praias. É o que se verifica, por exemplo, na Holanda, onde a manutenção da linha de costa tem vindo a ser efectuada, desde há vários anos,  através da deposição, na praia, de grandes volumes de areias exploradas no Mar do Norte.

Em Portugal, desde há muito que se extraem volumes muito significativos de inertes nas zonas estuarinas e lagunares, seja com objectivos comerciais declarados, seja sob o encapotamento de dragagens portuárias. Por exemplo, em S. Jacinto (a Norte de Aveiro), só em 1980, extraíram-se, devidamente autorizados, 4x105m3 de areias, havendo razões para pensar que o somatório das extracções legais e ilegais tem atingido volumes superiores a 1x106m3/ano, nos últimos anos. Outro bom exemplo é o do troço inferior do rio Douro, incluindo o estuário, onde, no início da década de 80, as dragagens de areias e cascalhos atingia valores da ordem de 1,5x106m3/ ano.

Na plataforma continental, o reconhecimento prévio das potencialidades em areias e cascalhos está efectuado há cerca de duas décadas (fig. I.7), embora não existam explorações comerciais. Na realidade, há empresas interessadas, mas o contexto legal e de licenciamento da actividade é complexo, existindo lacunas legislativas, o que tem impedido a efectivação dessas explorações. Nas regiões insulares o panorama é um pouco diferente, existindo explorações nas plataformas insulares, embora sem os adequados estudos de impactes ambientais. Todavia, nos últimos anos, na plataforma continental, principalmente na do Algarve, têm sido efectuadas algumas explorações de areias submarinas para realimentação de praias. Como é óbvio, também em todas estas actividades, quer para a exploração, quer para determinação dos impactes ambientais, quer para minimização dos impactes negativos, o conhecimento dos diferentes aspectos oceanográficos (físicos, geológicos, biológicos e químicos) é absolutamente essencial.

I.9. Especificidades da Margem Portuguesa

É também de referir que a margem continental portuguesa é das únicas margens europeias com características oceânicas. Tal é evidente no mapa da figura I.8, onde estão representadas as plataformas continentais da Europa ocidental. No domínio marinho europeu podem considerar-se quatro grandes áreas: a) o Mar Báltico, que corresponde a um relativamente pequeno mar interior, continental, muito confinado e de pequenas profundidades; b) o Mar do Norte, correspondente a parte da placa continental europeia inundada após a última glaciação, e que mais não é do que uma extensa plataforma continental, em que as profundidades são pequenas; c) o Mar Mediterrânico, constituído a partir do antigo Mar de Tethys, por aproximação das placas africana e euroasiática, com subducção da primeira (o que conduziu à formação da cadeia alpina), e que actualmente é um mar interior, com ambiente de micro-maré, em que as plataformas são estreitas e as profundidades podem ser relativamente grandes; d) a área atlântica, correspondente à fachada ocidental europeia, que é a única com características oceânicas. A jurisdição desta área oceânica é da Irlanda, do Reino Unido, de França, de Espanha e de Portugal. Como é evidente na figura, nesta área, as plataformas continentais do Reino Unido, irlandesa e francesa são largas, e as portuguesa e espanhola são estreitas, atingindo-se grandes profundidades a pequena distância da costa.

Fig. I.8 -   Plataformas continentais (representadas a verde) da Europa ocidental.

É por essa razão que, com frequência, os testes e experimentação de equipamentos oceanográficos concebidos para operarem a grandes profundidades, desenvolvidos pelos países europeus tecnologicamente mais desenvolvidos (França, Alemanha, Reino Unido), são efectuados na ZEE continental portuguesa, onde os locais de operação se localizam a pequena distância de instalações portuárias. A comunidade oceanográfica portuguesa tem beneficiado com isso pois que, além do mais, tal actua como elemento catalisador do desenvolvimento científico nacional. Também o conhecimento da ZEE portuguesa tem, por esta forma, sido ampliado, embora nem sempre os organismos nacionais competentes tenham tido uma postura que possibilite que esses conhecimentos fiquem no País, e que a comunidade científica a eles tenham acesso.

I.10. Alguns Aspectos com Interesse Científico

Portugal detém, na área submersa sob sua jurisdição, diversificados pontos de interesse científico, muitos que são únicos nas ZEE europeias, sendo mesmo vários notáveis a nível mundial. Como tal, são objecto de intensa investigação por parte de vários grupos científicos da União Europeia e dos outros países. Entre os muitos pontos de interesse científico podem referir-se os seguintes:

I.10.1.         Banco do Gorringe

•O Banco do Gorringe, impressionante relevo submarino, com orientação NE-SW, com 250km de comprimento e 80km de largura, que, emerge de profundidades da ordem de 5000m, localizando-se as partes menos profundas a apenas 24m (Monte de Gettysburg) e a 50m (Monte de Ormonde) de profundidade. Corresponde a um segmento de litosfera oceânica (série ofiolítica) exposta devido a introdução da placa africana, por sul, sob a placa euroasiática. Durante o último glaciário o Gorringe correspondia a uma ilha.

É nesta zona que se localiza o epicentro de grande parte dos sismos que afectam o território nacional continental. É aqui se tradicionalmente se tem localizado o epicentro do sismo (e subsequente tsunami) de 1755, que tão catastróficas consequências tiveram.

I.10.2.         Montanhas Marginais do Noroeste Ibérico

As Montanhas Marginais do Noroeste Ibérico, em que se incluem, além, da montanha da Galiza, as montanhas de Vasco da Gama e de Vigo (em frente ao Porto), separadas da plataforma continental pela Depressão de Valle-Inclan, e que está relacionada com um primeiro episódio de rifting, abortado, por ocasião da abertura inicial do oceano Atlântico.

I.10.3.         Crista Madeira Tore

A Crista Madeira Tore, rosário de elevações com orientação SW-NE que, desde a ilha da Madeira se prolonga até à montanha submarina de Tore, e cuja origem ainda não está completamente explicada.

I.10.4.         Planície Abissal do Tejo

A Planície Abissal do Tejo, limitada a oriente, sul, ocidente e norte respectivamente pela vertente continental sudoeste portuguesa, pelo Banco de Gorringe (e pela montanha de Hirondelle), pela Crista Madeira-Tore e pelo chamado Esporão da Estremadura (saliência continental que se conecta, de certa forma, com a Montanha de Tore), e cuja parte oriental é constituída por crusta continental. É, aliás, um dos raros pontos, em todo o globo terrestre, em que a crosta continental se localiza a tão grande profundidade.

I.10.5.         Montanha Submarina de Tore

A montanha submarina de Tore, interessante estrutura, única a nível mundial, que constitui o limite NE da Crista Madeira-Tore. Corresponde a uma elevação pronunciada que tem a particularidade de, na parte central, ter profunda depressão (que atinge os 5000m de profundidade).

Apesar das variadas hipóteses apresentadas ao longo da segunda metade do século XX, a origem desta estrutura ainda não está completamente esclarecida. A sua forma peculiar está, provavelmente, relacionada com a tectónica regional. No entanto, a hipótese mais interessante, mas a que falta consubstanciação científica, é a de que esta estrutura corresponderia à cicatriz de um impacte meteorítico, talvez do que induziu a extinção dos dinossáurios.

Fig. I.9 -   Batimetria da margem Oeste Ibérica, com indicação dos principais acidentes morfológicos. Segundo Dias (1987).

I.10.6.         Contornitos da Margem Algarvia

A margem algarvia, com os seus planaltos submarinos marginais (de Sagres, de Lagos, de Portimão, de Albufeira, de Faro e de Bartolomeu Dias), em geral correspondentes a depósitos contorníticos relacionados com a actuação da Veia de Água Mediterrânica. Esta, que flui do estreito de Gibraltar, sofre inicialmente intensa mistura vertical e lateral com a Água Atlântica, o que lhe provoca diminuição de densidade. O fluxo subsequente, sob forma de nível intermédio, constituído por três veias principais escalonadas entre 500m e 1300m de profundidade, é caracterizado por alta temperatura e densidade. Progredindo para norte desde o estreito de Gibraltar, devido à força geostrófica, esta corrente é bruscamente desviada para Oeste devido ao obstáculo constituído pela vertente continental do Algarve. É então sujeita a frequentes efeitos de canalização, tendo aí sido detectadas velocidades superiores a 10cm/s, as quais chegam a atingir 50cm/s na fossa Diogo Cão. Os efeitos erosivos, desta corrente de contorno, na vertente algarvia são grandes, depositando-se parte dos materiais sedimentares a sul, constituindo espessas acumulações contorníticas que deram origem a planaltos marginais.

I.10.7.         Canhões Submarinos

Os canhões submarinos da margem oeste-ibérica constituem traços morfológicos muito impressivos, principalmente os  que cortam transversalmente toda a plataforma até muito próximo da linha de costa. Estes, cientificamente designados por canhões submarinos do tipo gouf, derivado do “Gouf de Cap Breton” que lhes serviu de modelo, são relativamente raros a nível mundial. Porém, na margem continental portuguesa, definem-se três canhões submarinos deste tipo, os canhões da Nazaré, de Lisboa e de Setúbal.

Fig. I.10 - O canhão submarino da Nazaré.

O mais impressionante destes acidentes, e talvez o mais impressionante a nível mundial, é o da Nazaré, que provoca profundo entalhe na plataforma continental com mais de 60km de comprimento. Este canhão submarino, descrito cientificamente, pela primeira vez, por Freire de Andrade, em 1937, não apresenta relação directa com qualquer curso de água actual importante (o único rio que desagua na Nazaré é o pequeno Alcôa).

Definindo-se a menos de 500m da costa, o troço inicial deste canhão submarino apresenta orientação WSW, formando profundo entalhe na plataforma continental. A cerca de 6km da costa inflecte para NW, voltando à direcção WSW a cerca de 12km da Nazaré, acabando por se orientar para W no troço terminal, desembocando na Planície Abissal Ibérica a cerca de 5000m de profundidade. Com 170km de comprimento, constitui verdadeira garganta submarina até mais de 2000m de profundidade.

I.10.8.         Hidrotermalismo Submarino

Foi em 1992 que, durante um cruzeiro científico norte-americano, ao efectuar dragagens no fundo oceânico, num segmento da Dorsal Médio Atlântica, se recolheram fragmentos de chaminés hidrotermais e seres vivos típicos destes interessantes ecossistemas. A descoberta foi absolutamente casual, isto é, foi um “golpe de sorte”, e por essa razão este campo hidrotermal, localizado na ZEE dos Açores, foi baptizado de “Lucky Strike”.

Desde o início dos anos 70 que muitos investigadores defendiam a existência de fontes hidrotermais em profundidade, nas zonas dos riftes, onde o magma, com temperaturas superiores a 1 000ºC, está a chegar à superfície, para constituir nova crusta oceânica. Assim, não foi uma surpresa completa quando, em 1977, investigadores descobriram fontes hidrotermais quentes a profundidades da ordem de 2 500 metros, no rifte dos Galápagos, ao largo do Equador. Surpreendente foi, até porque totalmente inesperada e imprevista, a descoberta de vida abundante e desconhecida (vermes, amêijoas e mexilhões gigantes) na dependência dessas fontes hidrotermais submarinas. Posteriormente, foram descobertas muitas outras fontes hidrotermais submarinas associadas aos riftes, designadamente na Crista do Pacífico Oriental (East Pacific Rise), onde pela primeira vez os cientistas puderam observar ao vivo, a bordo do submersível norte-americano Alvin, as surpreendentes comunidades que vivem na sua dependência. No entanto, até à década de 90 do século XX, nada de semelhante tinha ainda sido detectado no oceano Atlântico. Compreende-se, assim, o grande impacte que a descoberta do campo “Lucky Strike”, em águas açoreanas, teve na comunidade científica.

A intensa actividade da comunidade científica internacional que se seguiu à descoberta, em 1992, do “Lucky Strike”, localizado a 1730m de profundidade, conduziu à detecção dos campos “Menez Gwen” (em 1994, a 840m de profundidade), “Rainbow” (em 1997, a 2300m de profundidade), e “Saldanha” (em 1998, a 2200m de profundidade). As actividades de investigação, neste domínio científico, continuam bastante activas, pelo que não será de estranhar que, no futuro próximo, surjam notícias de novas descobertas.

Fig. I.11 - Localização dos campos hidrotermais submarinos localizados na ZEE dos Açores

A investigação neste domínio, quer pelos meios envolvidos, quer pela tecnologia de ponta que é preciso utilizar, é tipicamente uma investigação em consórcio. No caso específico dos trabalhos na ZEE dos Açores, a comunidade científica portuguesa tem desempenhado um papel de elevada relevância, sendo mesmo, nalguns casos, de liderança. Este é outro domínio em que a Ciência nacional, se devidamente financiada (como, até certo ponto, se tem verificado), se pode afirmar incontestavelmente a nível internacional.

I.10.9.         Sismicidade e Protecção Civil

A região onde se localiza o território português constitui uma zona de sismicidade importante, localizando-se a maior parte dos epicentros no mar (fig. I.12). Esta sismicidade tem origem variada, embora, na grande maioria, corresponda a sismicidade interplacas.

Fig. I.12 - Distribuição de epicentros de sismos históricos e instrumentais (entre 33dC e 1991).

A vermelho estão indicadas as fronteiras de placas. Adaptado de J. Cabral (1993).

A sismicidade que se faz sentir nos Açores está relacionada quer directamente com o vulcanismo, quer com movimentações interplacas. Efectivamente, na junção tripla dos Açores confluem a crista médio-atlântica e o chamado "Rift da Terceira", de direcção WNW-ESE, que corresponde ao segmento mais ocidental da Zona de Fractura Açores-Gibraltar. Esta, a SE da ilha de S. Miguel, inflecte para a direcção E-W, sendo o movimento essencialmente do tipo desligamento direito. Esta zona de fractura foi identificada, pela primeira vez, em 1971, pelo sonar de pesquisa lateral de longo alcance GLORIA, e por essa razão é conhecida pela designação de . "Falha de Glória". Tem comportamento assísmico, o que tem sido interpretado como resultado possível de deslizamento assísmico ao longo da zona de fractura, ou como reflexo dos intervalos de recorrência dos sismos que aí ocorrem serem longos, superiores ao período de registo da sismicidade instrumental, devido à reduzida taxa de movimentação neste acidente tectónico. Todavia, em 25 NOV 1941, registou-se um sismo de grande magnitude (8,4), com epicentro localizado junto à extremidade oriental da falha de Gloria, cujo mecanismo focal indica desligamento direito, perfeitamente compatível com a atitude daquele acidente. É possível que o presente comportamento assísmico desta falha esteja relacionado com a grande queda de tensão produzida por este sismo.

Para oriente do cruzamento com a Crista Madeira-Tore (a cerca de 20ºW) torna-se particularmente difícil de definir a fronteira entre as placas eurasiática e africana devido à complexidade da morfologia submarina e ao facto da sismicidade, embora aumentando de intensidade, se apresentar acentuadamente difusa. O movimento de desligamento dextrógiro passa a cavalgamento da placa eurasiática sobre a placa africana, com componente secundária de desligamento direito.

Junto ao Banco do Gorringe localizam-se os epicentros de muitos dos sismos que afectam o território continental português, designadamente os de 1 de Novembro de 1755 (M>8.5) e de 28 de Fevereiro de 1969 (M de 7.3 a 8.0). Neste sector, a fronteira de placas corresponde essencialmente a uma subducção intraoceânica incipiente, denunciada pela presença de hipocentros até 67 km de profundidade.

A oriente de 17ºW os mecanismos focais de sismos ocorridos na zona de fronteira de placas revelam uma combinação de desligamento e de falhamento inverso, passando os mecanismos de falha inversa a predominar a partir da área do Banco do Gorringe até ao Golfo de Cádiz, com a ocorrência de eventos de profundidade intermédia, atingindo 130km.

Para oriente abandona-se o domínio oceânico e entra-se no domínio continental. A sismicidade torna-se mais difusa estendendo-se por uma faixa com mais de 500 km de largura, correspondendo à colisão continental entre a África e a Eurásia. A fronteira de placas entre a Eurásia e a África cruza as margens continentais ibérica e africana, passando as placas a interagir por colisão continental na zona bético-rifenha, incluindo o Mar de Alboran e a cordilheira do Atlas. A colisão continental processa-se essencialmente por deformação entre numerosos blocos litosféricos delimitados por falhas que atravessam toda a litosfera continental, desenhando um mosaico de microplacas cuja interacção complexa origina sismicidade difusa, com hipocentros predominantemente superficiais, mas também com ocorrência de importante sismicidade intermédia (30 a 150km).

Além desta sismicidade associada à deformação litosférica na fronteira de placas Açores-Gibraltar, existe também actividade sísmica significativa no interior do território português e junto ao litoral, caracterizada pela ocorrência de alguns sismos históricos com magnitude estimada em cerca de 7. A simples observação do mapa de epicentros da Península Ibérica (fig. I.12) permite identificar, de imediato, uma banda de concentração de actividade sísmica ao longo da fachada atlântica da Península, mais intensa para sul da Galiza, sugerindo algum processo de interacção entre as litosferas oceânica e continental ao longo da margem atlântica oeste-ibérica que seja responsável pela actividade tectónica e sísmica regional.

Admitindo que a margem oeste-ibérica é uma margem passiva, a referida actividade sísmica será gerada em falhas activas no interior da placa litosférica eurasiática, correspondendo, consequentemente, a sismicidade intraplacas. No entanto, grande parte desta sismicidade pode ser explicada se se aceitar a hipótese da existência de uma zona de subducção em iniciação ao longo da margem continental ocidental. É precisamente nesta faixa de transição entre os domínios continental e oceânico que ocorreram alguns dos eventos históricos mais fortes de que há conhecimento, nomeadamente os que se verificaram na região do vale inferior do Tejo (1531 e 1909), na plataforma continental a sul de Setúbal (1858), e na plataforma continental do Algarve, ao largo de Portimão (1719) e de Tavira (1722). Estima-se que todos estes eventos tiveram magnitude próxima de 7.

Vários dos eventos sísmicos que, ao longo da história, se sentiram em território português, geraram tsunamis, alguns deles catastróficos, sendo o mais conhecido o ocorrido a 1 de Novembro de 1755. embora a probabilidade de ocorrência de um grande tsunami ser pequena, as consequências negativas podem ser muito grandes, pelo que o risco intrínseco é grande. Para ter noção do risco, basta pensar no que aconteceria se um grande tsunami assolasse a costa algarvia num dia de Agosto…

Com tal enquadramento, é absolutamente essencial, até para uma melhor protecção civil, que se aprofunde, tanto quanto possível, o reconhecimento das estruturas sismogénicas e tsunamigénicas, o que, obviamente, tem que se feito, pelo menos em grande parte, através de trabalhos de mar.

I.11. Modificação Climática Global

É actualmente aceite pela generalidade da comunidade científica que está em curso uma modificação climática global, provavelmente sem precedentes nos 4,6 biliões de anos de história da Terra, Essa modificação é induzida, principalmente, por actividades antrópicas diversificadas, com especial relevância para a queima de combustíveis fósseis. Efectivamente estas actividades, entre outras consequências, têm vindo a provocar a ampliação do efeito de estufa e o aumento do buraco do ozono.

Trata-se de um problema complexo, mas intimamente relacionado com o funcionamento do sistema climático terrestre, no qual o oceano desempenha um papel altamente regulador. Na análise desta problemática tem forçosamente que se ter em atenção que a população da Terra mais que duplicou nos últimos 50 anos, prevendo-se que, em 2045, o planeta atinja os 11 biliões de habitantes e, em 2100, os 14 biliões. Este crescimento brutal está a provocar pressões ambientais de consequências dificilmente previsíveis nos ecossistemas marinhos e terrestres.

Um dos principais problemas relacionados com este assunto é o do aumento dos teores dos gases de estufa na atmosfera. O aumento da concentração de na atmosfera iniciou-se antes da revolução industrial, devido às deflorestações, verificando-se crescimento exponencial na sequência da industrialização e consequente ampliação da queima de combustíveis fósseis. Segundo o IPCC (International Panel on Climate Change), os teores de CO2, que actualmente são de 365ppmv, aumentaram 31% desde 1750, um acréscimo sem precedentes nos últimos 20 mil anos, atingindo valores que nunca estiveram tão altos nos últimos 420 mil anos. A razão de acréscimo, desde 1958, é de 1,2ppm/ano (fig. I.13).

Fig. I.13 - Evolução das concentrações de CO2 no observatório de Mauna Loa, no Hawaii.

Como está localizada no meio do Pacífico, longe dos centros industriais, esta evolução reflecte a evolução global.

É interessante verificar a marcada sazonalidade atribuível à fotossíntese.

Grandes crescimentos nos teores na atmosfera são também detectados noutros gases de estufa, designadamente no que se refere ao metano (emitido pela queima de combustíveis, pelos intestinos dos ruminantes, pelos campos de arroz, pelas lixeiras, etc.) que, desde 1750, registou um acréscimo de 151%, ao N2O (que aumentou 8%) e aos CFCs/freons (que não existiam antes de 1930). Sobre estes últimos, é de referir que o CFC-11, por exemplo, é 12 000 vezes mais eficaz como gás de efeito de estufa do que o CO2.

Devido à amplificação do efeito de estufa, estima-se que as temperaturas atmosféricas globais à superfície tenham aumentado cerca de 0,5ºC no último século, com aceleração nas últimas décadas (0,19ºC/década). Este aumento de temperatura é principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e às desflorestações. Vários modelos climáticos prevêem que os teores de CO2, em 2100, se situem entre 540 e 970ppm, ou seja, que cresçam entre 50% e 165% relativamente à actualidade. As concentrações de metano podem ser, em 2100, de 1,76 ppm. Embora o teor deste último gás parecer muito pequeno, contribui com quase 30% para o aquecimento global.

Segundo as estimativas do IPCC, o aumento dos gases de estufa fará crescer a absorção de radiação infra-vermelha), em consequência do que, em 2100, a temperatura média do planeta poderá ser entre 1,4 e 5,8ºC mais quente do que em 1990.

 

Fig. I.14 - Médias anuais das temperaturas mínima, máxima e média do ar em Lisboa, entre 1856 e 1999),

correspondentes rectas de tendência e respectivos declives em ºC/ano.

A probabilidade de ocorrerem estas tendências sem que estivesse a ocorrer uma alteração no clima seria inferior a 1 em 1 milhão.

(adaptado de www.meteo.pt/InformacaoClimatica.

Em Portugal Continental, segundo o Instituto de Meteorologia, desde meados do século XIX que a tendência para aumento da temperatura média anual do ar (fora da influência urbana) tem sido de 0,0074ºC/ano, havendo sinais de que a taxa de aumento da temperatura do ar tem vindo a crescer. No que se refere às temperaturas máximas, o aumento médio tem sido de 0,0161ºC/ano (fig. I.14).

Para perceber melhor a mudança climática em curso é imprescindível conhecer mais completamente o funcionamento do sistema climático da Terra e, principalmente, a influência definitiva que, neste, é exercida pelo oceano. Pode afirmar-se que a importância das interacções oceano-atmosfera só agora começam a ser vislumbradas em toda a sua plenitude, pelo que é imprescindível, até para se poder preparar o futuro de forma mais confiável, aprofundar bastante o conhecimento científico neste domínio científico.

I.12. Elevação do Nível Médio do Mar

Uma das consequências mais importantes da modificação climática global é a elevação do nível médio das águas do mar. Da análise das séries maregráficas longas de todo o mundo conclui-se que, ao longo do século XX, o nível marinho tem vindo a subir a taxas médias da ordem de 1,5mm/ano, havendo indícios de que essa subida se acelerou nas últimas décadas.

Fig. I.15 - Médias anuais da temperatura da água do mar à superfície em Leixões (adaptado de www.meteo.pt).

Segundo o IPCC, prevê-se um aumento do nível médio das águas do mar de 2 cm a 10 cm, por década, nos próximos 100 anos. As causas desta elevação relacionam-se com a elevação da temperatura atmosférica, a qual provoca fusão dos gelos (nos glaciares de montanha e nas calotes) e expansão do volume das águas oceânicas.

Fig. I.16 - Variação do nível médio do mar na estação maregráfica de Cascais (adaptado de Dias & Taborda, 1992).

As consequências desta elevação do nível marinho poderão ser catastróficas em todo o mundo. Se a subida for da ordem de um metro durante este século, vários dos estados-ilha do Pacífico acabarão por desaparecer e áreas muito grandes de terrenos costeiros serão inundados. Quando se tem em atenção que essas áreas são precisamente as mais produtivas do ponto de vista agrícola, e das quais muitos países (por exemplo, do sudoeste asiático) são altamente dependentes, começa-se a percepcionar a dimensão real do problema.

Em Portugal, observações realizadas em 5 estações costeiras indicam que a taxa de variação da temperatura passou de 3ºC por século nos últimos 40 anos para 6ºC por século nos últimos 20 anos. Tal provocou já o aparecimento de espécies de águas mais quentes na nossa costa, como, por exemplo, o sargo do Senegal e têm tendência a reduzir a biodiversidade.

Entre 1882 e 1897, na estação maregráfica de Cascais (a série mais longa em Portugal e uma das mais longas do mundo), o nível médio do mar subiu, em média, 1,3 mm/ano. Todavia, considerando apenas o período 1920-1987 a taxa de subida foi de 1,7 mm/ano (fig. I.16).

A comparação da variação do nível médio do mar em Cascais com a evolução da temperatura média à superfície do Atlântico Norte permite deduzir que a causa principal dessa elevação do nível marinho é, muito possivelmente, a expansão térmica do oceano, isto é, o aumento de volume das águas marinhas devido a elevação da sua temperatura (fig. I.17).

Fig. I.17 - Comparação da evolução do nível médio do mar em Cascais com a temperatura superficial do Atlântico Norte,

utilizando o método das médias móveis com janelas de 5 anos (adaptado de Dias & Taborda, 1992).

Se o nível médio do mar se elevar um metro até ao final deste século, as implicações para Portugal não serão tão dramáticas como as que se verificarão nos países em que a cota média é muito baixa, como acontece, por exemplo, no Bangladesh, nas Maldivas ou na Holanda. No entanto, deve-se considerar que estes impactes se adicionarão aos que já se estão a verificar com grande intensidade, e que são induzidos por deficiências de abastecimento sedimentar devido a actividades antrópicas diversificadas.

No território continental, as áreas que provavelmente serão mais afectadas pela elevação do nível marinho são as lagunas costeiras, com especial relevância para a Ria Formosa e a Ria de Aveiro, e as zonas estuarinas, principalmente os estuários do Tejo e do Sado (fig. I.17).

Fig. I.18 - Vulnerabilidade do litoral continental português à elevação do nível médio do mar. Adaptado de Ferreira et al. (in press).

Nestas áreas, é de esperar, entre outros, intensificação do assoreamento dos canais, erosão acentuada de sapais e outros terrenos localizados a cotas muito baixas, intensificação da acção marinha (designadamente penetração para o interior da cunha salina), e maior introdução de sedimentos marinhos para estas zonas de transição. Nos litorais arenosos é expectável que se verifique aumento das taxas de recuo da linha de costa, e forte redução da área de praia emersa quando estas estão confinadas por arribas ou por estruturas artificiais. Nos litorais rochosos baixos, verificar-se-á, também, intensificação do recuo da linha de costa e desaparecimento das pequenas praias aí existentes. Nos litorais de arribas rochosas verificar-se-á intensificação da actividade destas, com consequente recuo da crista da arriba.

As consequências sócio-económicas atingirão grande amplitude, sendo os sectores directamente mais afectados o turismo, a navegação e actividades portuárias, e várias actividades tradicionais (apanha de bivalves, pesca artezanal, etc.). neste contexto, verificar-se-á, também, salinização dos aquíferos costeiros. É um problema de grande complexidade pois que, além do mais, as consequências das cheias fluviais atingirão maiores amplitudes, as zonas mais baixas das cidades costeiras serão inundadas, e muitas das edificações localizadas próximo da linha de costa serão destruídas. Para obviar a estes problemas, será necessário construir muito mais e maiores obras de protecção costeira, o que implicará mais frequentes intervenções para reconstrução, reacondicionamento ou melhoria de tais estruturas, sendo de prever que as verbas investidas nestas obras terão que aumentar em algumas ordens de grandeza. Em alternativa, podem-se adoptar outros tipos de intervenção ambientalmente menos agressivas (como a protecção não estática), o que implicará, também, o investimento de verbas extremamente avultadas.

Estes problemas são de tal forma graves e podem atingir amplitudes de tal formas grandes que é totalmente imprescindível investir de modo muito claro numa melhor caracterização da situação e na monitorização contínua, o que, em Portugal, não se tem verificado de modo minimamente adequado.

I.13. Considerações Complementares

A Comissão Mundial Independente para os Oceanos, no capítulo 4º do seu Relatório "O Oceano...Nosso Futuro" (1998), refere que "a utilização económica e ecologicamente sustentável dos recursos oceânicos implica muito mais do que a melhoria da gestão em sectores individuais, como o das pescas, do transporte marítimo e da extracção off-shore de petróleo, gás e outros minerais. Diz igualmente respeito ao reconhecimento da forma como as actividades realizadas em terra afectam o oceano. O enorme crescimento da actividade económica e o estabelecimento de cada vez mais pessoas nas zonas costeiras estão a ameaçar o valor ecológico dos oceanos”. Tal como se lembra nesse relatório, “As palavras "economia" e "ecologia" têm origem na palavra grega oikos, que significa "lar comum" (...). Tem como principal objectivo salientar as interfaces entre economia e ecologia e explora o valor dos serviços mercantilizados e dos serviços esquecidos, não mercantilizados, prestados pelos oceanos , com vista a aumentar a consciência sobre o seu verdadeiro contributo para o bem-estar individual e colectivo".

É imprescindível que os diferentes sectores da sociedade adquiram consciência de que o Homem é profundamente dependente, praticamente a todos os níveis, do oceano. Só através dessa consciencialização será possível obter os meios financeiros adequados e a vontade política firme para se desenvolver uma política consequente de investigação científica, para construir  sistemas integrados de informação, para implementar sistemas de monitorização adequados, e para formar técnicos devidamente preparados, capazes e eficazes.

Principalmente na última década, no seu conjunto, a comunidade científica portuguesa dedicada ás Ciências Marinhas tem vindo a produzir resultados bastante interessantes, embora o principal financiamento tenha sido conseguido através de programas da União Europeia. Actualmente, bastam alguns incentivos dos órgãos governamentais competentes para que essa comunidade comece a produzir o tipo de informação necessária para uma mais correcta gestão, cientificamente suportada, do domínio marinho sob jurisdição nacional. Na realidade muita dessa informação existe já, embora, por via de regra, não existam. receptores válidos dessa informação, com preparação para a compreender e com interesse em utilizá-la. Compete á Administração Central e às administrações regionais e locais dotar os diferentes organismos de técnicos capacitados para usar e aplicar essa informação.

Verifica-se, porém, que a disponibilidade do País em técnicos com formação interdisciplinar no que se refere ao meio marinho é quase inexistente. Por essa razão (e várias outras), os técnicos que trabalham nos organismos estatais não têm, em geral, a adequada preparação para gerir os ambientes marinhos, e quando têm alguma preparação, esta é, por via de regra, de cariz profundamente disciplinar. São biólogos, químicos, geólogos, físicos, engenheiros, arquitectos, etc., que podem ser muito conhecedores da sua área técnico-científica específica, mas a que falta o conhecimento genérico básico que lhes permita ter a adequada percepção da vasta amplitude das problemáticas em causa. Com frequência, o próprio diálogo interdisciplinar é difícil, porquanto lhes falta o conhecimento dos conceitos e da terminologia utilizada nas outras áreas científicas.

Compete ás Universidades dotar o País com os técnicos de que este carece. Por um lado, é importante que a formação disciplinar seja complementada com alguma multidisciplinaridade (o que deve ser efectuado tanto a nível da formação inicial, como de cursos de pós-graduação, como os mestrados). Por outro lado, é importante que existam licenciaturas de “banda larga” vocacionadas para o meio marinho, através das quais se formem técnicos com preparação multidisciplinar e interdisciplinar, sendo a especialização obtida através de cursos de pós-graduação (como os mestrados).

I.14. Bibliografia

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